quinta-feira, 25 de abril de 2013

A tão evocada e equivocada disciplina

  Uma reunião de professores, diretores, coordenadores pedagógicos. Em realidades mais avançadas,   também alunos compõem o grupo. Onde nos reunimos para fazer um balanço do período que se passou na escola, mais especificamente na sala de aula por um bimestre. São desabafos, angústias, indignação, vibração, otimismo... somos nós. Assim damos vida a um sigla bem conhecida no sistema educacional, o COC - nosso Conselho de Classe. 
    Exercitamos o diálogo. Tarefa difícil, reconhecemos. Avaliamos, refletimos... Como se deu o processo de ensino-aprendizagem? Que notas numéricas se configuram a partir deste processo? Quais foram as dificuldades? O que deu certo? O que deu errado? 
    Peço licença para pinçar um tema bastante abordado nos COC a que tenho participado, a indisciplina do aluno. Talvez por sua importância fundamental ao processo de ensino-aprendizagem. Peço licença também para dizer o quanto nos perdemos com blá-blá-blá ou nhem-nhem-nhem sem aprofundarmos esta questão do comportamento do aluno, que mesmo sendo jovem adolescente, se encontra em momento de formação, podendo ser ajudado a encontrar um caminho saudável de conduta na sociedade. Não dá para fugir a este conteúdo, que dada a sua subjetividade não pode ser tratado apenas no quadro de giz. Muitos dos desafios, como as drogas, por exemplo, saltam aos muros da escola demandando ações extra escolares. No entanto, ser educador é acreditar no potencial do encontro e do desejo de contribuir. Nossos jovens precisam ter a possibilidade de estudar com eficácia. Não posso mudar o sistema e seus entraves, mas posso não desistir de tentar. Pode ser mais divertido assim!   
    Tratar da indisciplina em sala de aula é tratar do relacionamento professor-aluno, aluno-aluno. Se falamos em relacionamento, falamos em encontro. Não há ensino e aprendizagem sem encontro. É no "espaço entre" que se dá a construção do conhecimento. Para esta compreensão sugiro a posterior leitura de Vygotsky que revolucionou a ideia de aprendizagem com seu conceito de zona de desenvolvimento proximal dentre outros. Mas cito aqui outro autor, Roberto Crema, que ao falar de encontro nos diz: 

"Ninguém cura ninguém. Ninguém se cura sozinho.
 Nos curamos no encontro, se houver encontro."
(CREMA, 2010)

     Que doença seria a nossa? Ora, existe algo menos saudável do que a impossibilidade de ouvir o outro, de se expressar, de compartilhar o que se tem de experiência, de estar junto para criar, resolver problemas, contribuir, superar-se, crescer, existir, viver, conviver? Não! Eis a nossa doença, a impossibilidade do encontro. Este tem sido minado pelo medo. Medo de fracassar, medo de ter que mudar, medo de ser dominado, medo de ser diferente, medo de estar só, medo de olhar para si mesmo... Este não seria o medo de morrer? Mas queremos viver, por isso não estamos satisfeitos com os desencontros. O contrário de morrer é amar. Não há outro caminho. Agora, citando Paulo Freire: 

"Não basta poder amar, é preciso saber amar.
O fato de  só amar, não basta. Para amar 
como educador você precisa cientificamente
 saber como amar, saber como você pode fazer-se
 mais eficaz e tornar seu amor mais eficaz para
 que ele seja meio de libertação e
 não prática de opressão." (FREIRE,  1982)
      
     Saber amar, um aprendizado que começamos à medida que nos revelamos insatisfeitos e angustiados com a realidade de desencontros a qual temos vivenciado. É o princípio da transformação, que começa em mim, não no outro. Muda quem oferece, não quem espera receber. 
     Saber amar implica em conhecer. O conhecimento nos liberta. Comecemos pelo conceito de disciplina. Este precisa ser atualizado, de acordo com os fundamentos pedagógicos a que nos sustentamos.
     Concordamos em educar para a cidadania. Também em Paulo Freire, só educa para a cidadania quem educa em cidadania. Sim, queremos uma sociedade mais justa, democrática, um mundo melhor. Não somos conservadores. Sonhamos com a transformação. Nosso sonho deve ser também nossa ferramenta. Vivo numa escala próxima e imediata o que quero como forma de vida no planeta.
      Partindo de nossa realidade, de nossos parâmetros, o que significa disciplina?


DISCIPLINA (perspectiva conservadora)
DISCIPLINA        (perspectiva crítica)
Resultado da ação autoritária
Resultado da liderança e autoridade
Centralizada no professor
Centralizada no coletivo
Silêncio absoluto
Organização para o trabalho
Obediência inquestionável
Respeita às regras estabelecidas pelo grupo
Passividade, falta de criatividade
Dinamicidade, criatividade e iniciativa
Punição por castigo
“Punição” por reciprocidade
Harmonia, ausência de conflito
Conflito e busca pelo consenso
Respeito parcial
Respeito mútuo
Rigidez, intolerância
Flexibilidade, diálogo
Exigência imediata
Expectativa para médio-longo prazo
Fruto do medo e condicionamento
Fruto da conscientização e aprendizado
Mantém a imaturidade
Gera responsabilidade
heteronomia
Autonomia
   
   A partir do que acreditamos e com a humildade de nos reavaliarmos, ficamos diante da possibilidade de crescimento. E sempre há esta possibilidade! Os caminhos, não são os mesmos. Cada um no seu tempo, na sua forma, na sua verdade. O que é, para mim, disciplina em sala de aula? Que comportamento espero do meu aluno? Como se classifica os relacionamentos em sala de aula? Há lugar para o humor e a leveza neste encontro? As respostas serão buscadas por cada um individualmente, com a disponibilidade e o compromisso político de estudo e reflexão, enquanto formamos um coletivo.
     Termino evocando mais uma vez o nosso mestre Paulo Freire:

 "Não há  saber mais ou menos, há saberes diferentes."

                                                                      Susi Motta Valadão Emerich









     

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Conversa entre educadores


           Não é novidade o tempo de crise que temos atravessado. E por que não dizer, crise generalizada. O planeta está em crise. O ser humano ainda está perdido de sua essência, de sua real identidade. Às vezes objeto, às vezes pedra! Quem é o homem? Quem sou eu? A propósito, o ser verdadeiramente humano já existe? E, como a educação não foge a nenhum assunto, cá estamos nós, filosofando.
           Triste seria continuar esta conversa sem antes considerarmos nossos motivos para o entusiasmo. Entusiasmo? Sim. Estamos em crise, neste lugar que é portal das grandes transformações. Sem a crise estaríamos, talvez, acompanhados da passividade, conformismo, paralisia! Mas não. Estamos perturbados, agitados, sufocados, desesperados por fazer algo. Queremos mudança. Nosso peito é invadido por um sentimento que nos faz pensar, criar, nos desafia... É o entusiasmo.
           A palavra entusiasmo vem do grego, a partir da junção de três palavras: «en», «theos» e «asm». «Theos» é Deus, «en» é um prefixo que significa dentro e «asm» designa em ação. Portanto, literalmente, entusiasmo significa Deus dentro de nós em ação. Pronto! Está explicado. E se pra você, "Deus" não é caso, corte a primeira e a última letra deste vocábulo que, pra mim, dá no mesmo. "Somos deuses"! É onde toda mudança começa, dentro de cada um de nós. Ali começa a crise e ali começa a paz.
           Como educadores que somos, enfrentamos a crise desde o plano geral do sistema educacional, ao particular de nossas escolas. Precisamos então buscar refúgio num lugar seguro para vivenciarmos cada evento desta etapa: nós mesmos. Eu sou o lugar. Você é o lugar. Seguros em nossas individualidades, mas não isolados. Indivíduos formando um todo. Um todo que se reflete em cada um. Um holograma vivo.
           Enquanto corpo, poderemos dar vazão a nosso entusiasmo de maneira que este sentimento se transmuta em mãos, pernas, braços e abraços! O resultado será percebido em ações transformadoras. Uma a uma, com a humildade de quem se permite rever valores. De quem tem em sua tarefa de educar um compromisso político, que não exclui a devida competência técnica. De quem reconhece no aluno o seu maior desafio, tendo na relação com ele a oportunidade de tornar-se uma pessoa ainda melhor. 
           O encontro professor-aluno nos trás à luz conteúdos interessantes. Por exemplo, não posso falar o que tenho vontade, tenho que me superar, agir com sabedoria. E, não poucas vezes, a sabedoria do silêncio! Não posso usufruir das ferramentas do autoritarismo, preciso aprender a administrar meu poder de liderança, com uma dose de carisma e humor, se possível. Acima de tudo, não posso desistir deste aluno, pois estaria desistindo de mim, enquanto educador. E, tendo esclarecimento, a palavra "aluno" em seu sentido etimológico, "sem luz", já não nos caberia. 
           Precisamos rever nossa visão de educandos, reconstruindo, por consequência, nossa identidade de educadores. Trabalho de cada um, a ser feito juntos, enquanto nos encontramos. Aliás, sem encontro não haverá cura. Precisamos dele para sarar os males da frieza, inércia, rigidez... Mas, isto é assunto  para uma próxima conversa. Até!  

  Susi Motta Valadão Emerich