domingo, 27 de maio de 2012

Quem aprendeu a gostar de ler, poderá escrever sua história

         Hoje me deu vontade de escrever. Esta vontade surgiu em forma de um pensamento e de um sentimento. Acho que foi meio assim: enquanto me veio o assunto e o planejamento de como seria a postagem, no peito um contentamento dado ao prazer de escrever. Me sinto tão inteira, tão presente, tão preenchida quando escrevo... É como se pudesse olhar para mim de fora pra dentro. Sim, por vezes experimento a sensação de me surpreender com o que escrevo. Nossa! É maravilhosa a capacidade que tem nossas palavras, quando escritas,  de organizar, sintetizar, clarear nossas próprias ideias.  Lembro-me inclusive de estudar para as provas da escola escrevendo espontaneamente sobre a matéria.  O conteúdo em questão se apresentava organizado em minha mente!
         Quando o homem desenvolveu ainda mais o seu potencial de linguagem criando a escrita, deu um enorme salto em sua evolução. Se já nos destacávamos como seres oralizados, após a invenção da escrita o nível de sofisticação aumentou. Um passo a mais em nosso processo de humanização. A possibilidade de se apropriar do linguagem escrita, de se letrar, é uma questão de dignidade humana! Este aprendizado nos é próprio. Já nascemos com este potencial.

                                                                                                                                                                      
     


         Uma criança refaz o caminho trilhado pela humanidade quando percorre as etapas que a levam ao aprendizado da escrita. Primeiro descobre o desenho, inclusive marca as paredes de sua “caverna”! Começa a dar sentido aos símbolos que a cercam como logo marcas e etc, tal como o homem em sua fase pictórica da escrita. Aos poucos, quando num ambiente alfabetizador, expande seu processo de descoberta exercitando-se criativamente até que se apropria desta habilidade. Torna-se letrado quando tem o seu potencial de comunicação aumentado em função desta habilidade; quando o código tem uma função em sua vida; quando interage com o mundo letrado dinamicamente. É um aprendizado que acontece num universo significativo e lúdico. Não há outro caminho para o letramento. Quando a escola contribui neste processo, cumpre seu papel.

         Todo aprendizado parte do concreto ao abstrato. As regras ortográficas e demais especificidades do sistema de escrita não podem embarreirar a concretude do ato comunicativo da escrita. Uma criança não precisa aprender a escrever para escrever ou aprender a ler para então ler. Ela aprende enquanto pratica. Obviamente, quando mediada pelo outro que, sabendo mais que ela, oferece-lhe o suporte traduzido em informação, estímulo, sentido, sentimento!

          Escrita é linguagem. Linguagem é subjetividade. Apropriar-se do código escrito é crescer. Ler e escrever é ser. Exemplo maravilhoso disto é o depoimento de pessoas adultas que aprendem a ler e a escrever e se emocionam dizendo-se mais vivas. Como psicopedagoga tenho testemunhado o valor terapêutico da aprendizagem da escrita. Jovens superam dificuldades outras a partir da construção do hábito da leitura. Transcendem o "ler" e o "escrever" estéreis tornando-se leitores e autores. O Livro tem sua magia... Basta observar o encantamento das crianças, mesmo bem pequenas diante das páginas coloridas de um bom livro. Quando pequena, gostava inclusive do cheiro do livro! Até hoje adoro a sensação que me traz o cheiro do livro novo.


       
            Ziraldo nos diz que “Ler é mais importante que estudar”. Monteiro Lobato nos fala que “Um país se faz com homens e livros”. Mas vou terminar meu texto com a frase que entitula esta postagem, frase sem autor identificado, de uma campanha social de um renomado banco:  “Quem aprendeu a gostar de ler, poderá escrever sua história”.
 
                                                                                                              Susi Emerich

domingo, 20 de maio de 2012

...COISA DE AMIGO

                                                                         

          Aprendi com meu filho, hoje com 15 anos, uma expressão que embora simples serve como critério de avaliação do comportamento em nossa relações: “Isto não é coisa de amigo”. Quando aos três anos participou do primeiro grupo do projeto Oficina de Criação, trouxe para o ambiente familiar esta expressão mudando o paradigma de relacionamento em nossa casa. Comecei a entender que mesmo entre pais e filhos o compromisso deve ser com o respeito mútuo, o que foge aos padrões antigos onde o filho deve respeito aos pais e ponto. A partir desta essencial ideia, pude ver que para um verdadeiro encontro afetivo faz-se necessário o reconhecimento da criança como um sujeito que em toda sua particularidade deve ser respeitado.
           
          Amigo não fala de outro como se ele não estivesse presente. Quantas vezes as crianças testemunham seus pais, professores e etc, tratando de questões que lhe dizem respeito com outros, criando, no mínimo, uma situação constrangedora. Isto não é coisa de amigo! E quando adultos reagem com demasiada irritação frente aos erros das crianças, como se gente grande acertasse sempre? Adultos também entornam coisas, quebram, perdem... Pode-se imaginar amigos que se insultam por conta de acidentes como estes? Sem contar as falas do tipo “Come rápido!” “Anda depressa!”, “Sai fora daí!”, “Cala a boca!”, “Pega!” “Faz!”... Amigo solicita, não ordena. Amigo não grita com o outro! Penso que nem com os animais deva se proceder desta forma, deseducada!
         
          Sabe-se que quanto mais nova a criança, menor sua possibilidade de aprender pelo que ouve. Elas precisam de exemplo. Se perguntássemos aos pais o que esperam de seus filhos, ouviríamos respostas do tipo: “Que seja justo, verdadeiro, solidário, tolerante...” Mas, tem as crianças reconhecido estes comportamentos em seus pais? Há aqueles que enganam suas crianças, se escondem, fogem...! Não se pode esperar nada diferente destes filhos.

          Logo que uma criança completa sua primeira etapa de desenvolvimento e passa a conviver em grupos sociais fora do seu familiar, se vê diante do desafio de explorar um mundo maior. “Que mundo será este?” “Quem é o outro?” “Quem sou eu?” À medida que interage socialmente vai amadurecendo e internalizando valores morais passando da condição de anomia (ausência da possibilidade de compreender e cumprir regras, até dois anos aproximadamente) para a autonomia moral (ética internalizada, compreensão dos valores morais, por volta dos doze anos). Esta autonomia moral está condicionada à eficácia das etapas anteriores. Ou seja, dependerá da forma como esta criança foi tratada. Uma educação respaldada no autoritarismo e nas punições resultará num adulto inseguro, incapaz de conduzir-se às boas ações por amizade, sendo levado a se comportar adequadamente por razões terceiras como prêmios e castigos e não e por consideração ou sentimento de justiça. São aqueles que esperam para fazer quando não tem ninguém olhando. Quem nunca presenciou um pai dizer: “Estuda direitinho e ganhará uma bicicleta” ou “Se bater no coleguinha vai perder o recreio.” Assim a criança é condicionada a não fazer coisas erradas, sem necessariamente entender as reais razões.

          É conteúdo da Educação Infantil, conforme parâmetros estabelecidos nacionalmente, a formação pessoal e social da criança, sua identidade e autonomia. Costumo brincar que este é o momento em que a criança vai descobrir-se gente ao mesmo tempo que descobre os outros. Muitos pais e professores insistem em “ensinar” o que pode e o que não pode, no tocante aos relacionamentos, sem no entanto ter como fundamento a questão do afeto, da amizade.

          Aprender a conviver, um dos quatro pilares da educação segundo o relatório para Unesco da Comissão Internacional sobre a Educação para o século XXI, coordenada por Jacques Delors, passa pela condição e possibilidade de reconhecer o valor do outro, ao mesmo tempo em que se experimenta o Aprender a ser, ampliando o alcance do Aprender a conhecer e do Aprender a fazer resultando numa educação integral.   Nossas crianças nos dão a chance de repensar e reformular antigos conceitos. São elas, as de menor idade, que podem nos mostrar o caminho do amor, da solidariedade, da tolerância, da paz! Elas precisam aprender a fazer amigos. Mostremos a elas o caminho oferendo-lhes nossa amizade.

                                                                  Susi Emerich