Aprendi
com meu filho, hoje com 15 anos, uma expressão que embora
simples serve como critério de avaliação do
comportamento em nossa relações: “Isto não é
coisa de amigo”. Quando aos três anos participou do primeiro
grupo do projeto Oficina
de Criação, trouxe
para o ambiente familiar esta expressão mudando o paradigma
de relacionamento em nossa casa. Comecei a entender que mesmo entre
pais e filhos o compromisso deve ser com o respeito mútuo, o
que foge aos padrões antigos onde o filho deve respeito aos
pais e ponto. A partir desta essencial ideia, pude ver que para um
verdadeiro encontro afetivo faz-se necessário o reconhecimento
da criança como um sujeito que em toda sua particularidade
deve ser respeitado.
Amigo não fala de outro como se ele não estivesse
presente. Quantas vezes as crianças testemunham seus pais,
professores e etc, tratando de questões que lhe dizem respeito
com outros, criando, no mínimo, uma situação
constrangedora. Isto não é coisa de amigo! E quando
adultos reagem com demasiada irritação frente aos erros
das crianças, como se gente grande acertasse sempre? Adultos
também entornam coisas, quebram, perdem... Pode-se imaginar
amigos que se insultam por conta de acidentes como estes? Sem contar
as falas do tipo “Come rápido!” “Anda depressa!”, “Sai
fora daí!”, “Cala a boca!”, “Pega!” “Faz!”...
Amigo solicita, não ordena. Amigo não grita com o
outro! Penso que nem com os animais deva se proceder desta forma,
deseducada!
Sabe-se que quanto mais nova a criança, menor sua
possibilidade de aprender pelo que ouve. Elas precisam de exemplo. Se
perguntássemos aos pais o que esperam de seus filhos,
ouviríamos respostas do tipo: “Que seja justo, verdadeiro,
solidário, tolerante...” Mas, tem as crianças
reconhecido estes comportamentos em seus pais? Há aqueles que
enganam suas crianças, se escondem, fogem...! Não se
pode esperar nada diferente destes filhos.
Logo que uma criança completa sua primeira etapa de
desenvolvimento e passa a conviver em grupos sociais fora do seu
familiar, se vê diante do desafio de explorar um mundo maior.
“Que mundo será este?” “Quem é o outro?” “Quem
sou eu?” À medida que interage socialmente vai amadurecendo
e internalizando valores morais passando da condição de
anomia (ausência da possibilidade de compreender e cumprir
regras, até dois anos aproximadamente) para a autonomia moral
(ética internalizada, compreensão dos valores morais,
por volta dos doze anos). Esta autonomia moral está
condicionada à eficácia das etapas anteriores. Ou seja,
dependerá da forma como esta criança foi tratada. Uma
educação respaldada no autoritarismo e nas punições
resultará num adulto inseguro, incapaz de conduzir-se às
boas ações por amizade, sendo levado a se comportar
adequadamente por razões terceiras como prêmios e
castigos e não e por consideração ou sentimento
de justiça. São aqueles que esperam para fazer quando
não tem ninguém olhando. Quem nunca presenciou um pai
dizer: “Estuda direitinho e ganhará uma bicicleta” ou “Se
bater no coleguinha vai perder o recreio.” Assim a criança é
condicionada a não fazer coisas erradas, sem necessariamente
entender as reais razões.
É conteúdo da Educação Infantil,
conforme parâmetros estabelecidos nacionalmente, a formação
pessoal e social da criança, sua identidade e autonomia.
Costumo brincar que este é o momento em que a criança
vai descobrir-se gente ao mesmo tempo que descobre os outros. Muitos
pais e professores insistem em “ensinar” o que pode e o que não
pode, no tocante aos relacionamentos, sem no entanto ter como
fundamento a questão do afeto, da amizade.
Aprender a conviver, um dos quatro pilares da educação
segundo o relatório para Unesco da Comissão
Internacional sobre a Educação para o século
XXI, coordenada por Jacques Delors, passa pela condição
e possibilidade de reconhecer o valor do outro, ao mesmo tempo em que
se experimenta o Aprender a ser, ampliando o alcance do Aprender a
conhecer e do Aprender a fazer resultando numa educação integral. Nossas crianças
nos dão a chance de repensar e reformular antigos conceitos.
São elas, as de menor idade, que podem nos mostrar o caminho do
amor, da solidariedade, da tolerância, da paz! Elas precisam
aprender a fazer amigos. Mostremos a elas o caminho oferendo-lhes
nossa amizade.
Susi Emerich